 |
Imagem: Pixabay |
Minha vó sempre foi uma pessoa ativa. Do tipo que acorda cedo e não continua na cama, mas levanta e vai varrer a calçada, alimentar os animais, cozinhar, costurar, fazer caminhada ou seja lá o que for: ela não era de ficar parada.
Também não era de ficar quieta. Incontáveis vezes cheguei na casa dela e estava com visita, tagarelando muito mais que jovens de 15 ou 20 anos, dando risada como se não houvesse amanhã. Tinha telefone e dois celulares (que quase nunca levava quando saía, isso é fato), recentemente estava aprendendo a utilizar o WhatsApp e enviava áudios que acabavam sendo engraçados pela inocência e dificuldade em utilizar o tal aplicativo.
Nos finais de semana, estava em bailes, festas de terceira idade, bingos, viajando pro Nordeste ou pra qualquer outro lugar que desse na telha. Definitivamente, a vida social da minha vó era muito mais badalada do que a minha. Eu sempre dizia que minha vó ia me enterrar.
Há poucos meses, tudo ficou estranho. Ela começou a ter tonturas, precisava de apoio para caminhar, falava pouco... muitos exames e alguns erros médicos depois, chegou o diagnóstico certo, mas que todos esperavam que estivesse errado: Doença de Creutzfeldt-Jakob. Apesar de conhecer o agente causador, nunca tinha ouvido falar na tal doença. Ou tinha, na faculdade, mas não prestei atenção. Não vem ao caso agora.
O que vem ao caso que essa é uma doença neurológica degenerativa, de ação rápida - ou muito rápida, no caso dela - e que em menos de dois meses não deixou nem mesmo sombra do que minha vó foi um dia.
Ela não dorme à noite; ela dorme durante o dia. Ela quase não fala com a gente; ela raramente ri. Ela olha pro horizonte como se não houvesse nada à sua frente e, quando chegamos perto, ela parece não nos reconhecer. Cada dia é pior que o anterior.
Hoje eu cheguei nela e disse:
- Oi, vó.
Ela disse:
- Oi... vó.
Ela simplesmente repetiu o que eu disse. Ela talvez nem saiba mais o que essas palavras significam. Ela provavelmente nem sabe quem eu sou, quem ela é. E agora eu não poderei saber também, já que nunca perguntei as coisas do passado dela que eu queria perguntar, e só ela poderia me contar. Não foi falta de oportunidade; foi vergonha, sei lá. Eu achava que ela era imortal.
Eu acho que eu estava errada.