date Duas Leitoras | Literatura e entretenimento: Uma sílaba a mais, uma esperança a menos

25/03/2017

Uma sílaba a mais, uma esperança a menos

25/03/2017
Imagem: Pixabay

Minha vó sempre foi uma pessoa ativa. Do tipo que acorda cedo e não continua na cama, mas levanta e vai varrer a calçada, alimentar os animais, cozinhar, costurar, fazer caminhada ou seja lá o que for: ela não era de ficar parada.

Também não era de ficar quieta. Incontáveis vezes cheguei na casa dela e estava com visita, tagarelando muito mais que jovens de 15 ou 20 anos, dando risada como se não houvesse amanhã. Tinha telefone e dois celulares (que quase nunca levava quando saía, isso é fato), recentemente estava aprendendo a utilizar o WhatsApp e enviava áudios que acabavam sendo engraçados pela inocência e dificuldade em utilizar o tal aplicativo.

Nos finais de semana, estava em bailes, festas de terceira idade, bingos, viajando pro Nordeste ou pra qualquer outro lugar que desse na telha. Definitivamente, a vida social da minha vó era muito mais badalada do que a minha. Eu sempre dizia que minha vó ia me enterrar.

Há poucos meses, tudo ficou estranho. Ela começou a ter tonturas, precisava de apoio para caminhar, falava pouco... muitos exames e alguns erros médicos depois, chegou o diagnóstico certo, mas que todos esperavam que estivesse errado: Doença de Creutzfeldt-Jakob. Apesar de conhecer o agente causador, nunca tinha ouvido falar na tal doença. Ou tinha, na faculdade, mas não prestei atenção. Não vem ao caso agora.

O que vem ao caso que essa é uma doença neurológica degenerativa, de ação rápida - ou muito rápida, no caso dela - e que em menos de dois meses não deixou nem mesmo sombra do que minha vó foi um dia.

Ela não dorme à noite; ela dorme durante o dia. Ela quase não fala com a gente; ela raramente ri. Ela olha pro horizonte como se não houvesse nada à sua frente e, quando chegamos perto, ela parece não nos reconhecer. Cada dia é pior que o anterior.

Hoje eu cheguei nela e disse: 
- Oi, vó.
Ela disse:
- Oi... vó.

Ela simplesmente repetiu o que eu disse. Ela talvez nem saiba mais o que essas palavras significam. Ela provavelmente nem sabe quem eu sou, quem ela é. E agora eu não poderei saber também, já que nunca perguntei as coisas do passado dela que eu queria perguntar, e só ela poderia me contar. Não foi falta de oportunidade; foi vergonha, sei lá. Eu achava que ela era imortal.

Eu acho que eu estava errada.
Top comentarista março/2017

13 comentários:

  1. Oi, Kemmy.
    É uma pena essa situação.
    Minha vó também está assim por causa do Alzheimer.
    Não se lembra de mais nada, não fala...
    Infelizmente é algo que não podemos controlar.
    Abraço.
    Diego || Diego Morais Viana

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  2. Vou ali enxugar minhas lagrimas depois venho comentar rsrs amei o texto, lembrei até da minha vó. Estou até sem palavras, amei e amei!

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  3. Ai, que triste :( me identifiquei bastante, porque a minha avó também era suuuper ativa e a gente achava que ela nunca ia ficar mal, sabe? Mas aí ela ficou com câncer que agiu super rápido e ela não resistiu. Mas isso foi há 15 anos já, e eu lembro pouco dela. Acho que a gente tem que aproveitar bastante o tempo do lado da família, mas no fim nunca parece o suficiente. Que bom que tem várias memórias do lado dela, avós são uma das melhores partes da vida <3 agora o jeito é ficar do lado dela pra ajudá-la, eles merecem <3

    Beijinhos
    http://tipsnconfessions.blogspot.com

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  4. É uma situação bem triste nunca conheci meus avós mas queria muito ter conhecido, ainda bem que sua vó tem quem apoia e de carinho continue assim parabéns pela paciência, amor e carinho ela precisa é disso para dar força.
    Até mais!!!

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  5. Kemmy!
    doloroso ver uma pessoa tão ativa com uma doença raríssima e aos poucos vê-la definhar, sem nada poder fazer, sem poder manter uma interação mais profunda e sem poder agora, desvendar os mistérios que ela guardava...
    Mainha tem alzheimer e já é doloroso, imagino essa doença que é bem mais acelerada...
    Desejo força e fé para você e sua família ao enfrentar esse momento delicado.
    “Não basta conquistar a sabedoria, é preciso usá-la.” (Cícero)
    cheirinhos
    Rudy
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
    TOP Comentarista de MARÇO, livros + KIT DE PAPELARIA e 3 ganhadores, participem!

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  6. Oi, Kemmy!!
    É muito triste vê uma pessoa que era tão ativa, torna-se ausente, triste e infelizmente esquecida de tudo!! Meu avô teve Alzheimer e minha avó também está com a mesma doença!! E muito doloroso ver que eles não se lembram dos filhos e nem dos netos!!
    Beijosss

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  7. Oi, Kemmy!
    É engraçado como a gente passa a vida inteira ao lado de algumas pessoas, vendo-as sempre ativas e quando coisas assim acontecem nos pegam totalmente de surpresa. Situação muito triste e delicada, principalmente por já ter visto que a avó era antes disso, tão ativa quanto um adolescente. Infelizmente eu não tive oportunidade de conviver por muito tempo com os meus avós, todos morreram muito cedo, quando eu ainda era muito pequeno e não tinha muita noção de suas presenças. Por isso devemos sabemos aproveitar ao máximo o tempo com eles aqui na Terra, nunca sabemos o dia de amanhã. Texto lindo, apesar de triste. :'/
    Beijos!

    ♥ Sâmmy ♥
    ♥ SammySacional.blogspot.com.br ♥
    ♥ DandoUmadeEscritora.blogspot.com.br ♥

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  8. Oi Kemmy.
    Que coisa mais triste, infelizmente nós costumamos acreditar na crença de que elas serão para sempre, não posso imaginar uma coisa dessas acontecendo com a pessoa mais importante da minha vida que é minha vó que foi que foi minha mãe por toda minha vida, não posso nem imaginar a sua dor.
    Força.
    Bjs.

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  9. A minha vó teve crises de arritmia e acabou falecendo de infarto há quase quatro anos atrás. Meu vô (marido dela) tinha ido menos de um ano antes dela, pelo mesmo motivo. Eu ainda consegui perguntar sobre várias coisas da infância, descobri coisas inimagináveis (como todo o machismo rotineito muito mais pesado), vi fotos de minha mãe ainda criança, fiquei sabendo de costumes esquisitos e comidas meio intragáveis (pelo menos para o meu estômago fresco da juventude, como dizia minha avó). Eu sinto muita falta dela, sinto falta do cheirinho de perfume de Alfazema, da pele enrugada, dos olhos claros, da sala no meio da perna e o cabelo enorme de longo e cinzento que ela sempre mantinha preso num coque alto. Sinto falta da casa com cheiro de família, das fotos nas estantes, das dezenas de enfeites de porcelana, das dezenas de quadros, do mini altar na sala e da boneca que, ajoelhada, rezava a oração completa do Santo Anjo — ela me mostrava isso com muito orgulho e brilho nos olhos. Eu sinto muita falta, mas sei que agora mesmo ela está do meu lado me ajudando a seguir em frente e não parar de sorrir. No fundo, ela é imortal. E tem se feito mais presente do que nunca.
    Abrace muito a sua vó, mesmo que esteja inconsciente. Diga que a ama mesmo quando ela não parecer entender o que suas palavras querem expressar. E no fim, se não souber como agir, apenas fique do lado dela, como um apoio natural. É muito importante, gratificante. Que Deus (ou qualquer força superior em que você acredite) te ajude muito nesse momento. Força para esse momento. E muita garra pra aguentar o que ainda está por vir. E lembre-se sempre: de qualquer jeito, sempre ela estará ao seu lado, viu? ♥

    Com carinho,
    Conto Paulistano.

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  10. Olá, primeiro gostaria de parabeniza-la pelo blog...parabéns!

    Que texto lindo <3

    Abraços

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  11. UAU, fiquei bastante emocionada ao ler esse texto.
    Pois parecia que eu tinha escrito, e o espelho da minha mãe em sua vó.
    Eu também sempre ficava na ideia que a pessoa mais forte em minha vida era imortal. E muito triste pensar que estava errada, e que deveria ter aproveitado, ter feitos perguntas, abraço mais, beijado mais, ter dito palavras bonitas. Mas por mais que tenho minha duvidas, quero e preciso pensar que existe alguma coisa alem desse mundo, e que final poderei encontra-lá. Mesmo que seja duvidoso pensar.
    Obrigada por escrito esse texto, pois tive uma sensação diferente ao ler.
    Enfim, obrigada de coração

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  12. Oi Kemmy! Sinto muito por sua avó. É muito triste passar por isso. É estar perto de quem se ama e ao mesmo sofrer por sua ausência. Que Deus der forças a você e toda família. forte abraço

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  13. Sinto muito por essa situação. Terminei o texto sentindo que conheço sua avó, e também com uma pontinha de como deve ser difícil passar por isso. Ótimo texto, mas gostaria que não o tivesse escrito.

    Beijo!

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Os comentários passam por moderação, pois são todos lidos com muito carinho.

Ultimamente não tenho conseguido responder, mas retribuo as visitas de todos que deixam os links ao final do comentário. Beijos!