Resenha: Jantar secreto - Raphael Montes

Título: Jantar Secreto
Autor: Raphael Montes
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2016
Páginas: 360
Skoob
Avaliação: 5/5

Um grupo de jovens deixa uma pequena cidade no Paraná para viver no Rio de Janeiro. Eles alugam um apartamento em Copacabana e fazem o possível para pagar a faculdade e manter vivos seus sonhos de sucesso na capital fluminense. Mas o dinheiro está curto e o aluguel está vencido. Para sair do buraco e manter o apartamento, os amigos adotam uma estratégia heterodoxa: arrecadar fundos por meio de jantares secretos, divulgados pela internet para uma clientela exclusiva da elite carioca. No cardápio: carne humana. A partir daí, eles se envolvem numa espiral de crimes, descobrem uma rede de contrabando de corpos, matadouros clandestinos, grã-finos excêntricos e levam ao limite uma índole perversa que jamais imaginaram existir em cada um deles.

Desde que li O vilarejo viciei na escrita do autor Raphael Montes. De lá pra cá, li Suicidas (em dois dias!) e simplesmente enlouqueci com o lançamento de Jantar secreto. Furou a fila, passou na frente de uns 200 que estavam esperando e, como eu já imaginava, me surpreendeu de uma forma incrível! Para saber o que eu achei dessa leitura que eu fiz em cerca de 5 horas, continue lendo:

No início da história, o narrador - Dante - já deixa claro que algo de muito errado aconteceu. Só precisamos ter paciência para descobrir exatamente O QUÊ. É isso que encanta nos livros do Raphael: o mistério é entregue logo de cara, portanto não temos que ficar tentando adivinhar o que acontece a seguir. O desenrolar dos fatos é que nos deixa ávidos por mais e mais.

Ao fazer uma análise sobre si e os três amigos com quem mora em Copacabana, Dante chega à conclusão que para ele falta autoconhecimento; para Hugo, estratégia; para Miguel, persuasão. No entanto, juntos eles até que são um bom time e conseguem se virar para sobreviver enquanto não conseguem bons empregos nas áreas em que se formaram. Para Leitão - o último dos quatro amigos - falta tudo e desde o início tive uma antipatia enorme por esse personagem, que só ficava nas costas dos amigos enquanto escrevia cartas para a sua mãe e engordava mais a cada dia.

Apesar de ser praticamente um inútil, os amigos de Leitão resolvem fazer uma surpresa para o aniversário dele, contratando uma prostituta. Afinal, com todo aquele tamanho eles acreditam que o amigo seja virgem. Mas o que era pra ser apenas uma noite acaba se transformando em inúmeros encontros e muito, muito dinheiro gasto com Cora, a prostituta por quem Leitão se apaixona. Claro que o dinheiro precisa vir de algum lugar, certo? Se Leitão não trabalha, o dinheiro deve ser dos amigos... mais especificamente, do aluguel!

“A ideia de fundo do poço é um tanto consoladora. Quando você acha que chegou lá, só pode subir. Acontece que o fundo não existe, sempre pode ser pior.”

Assim que percebe que o aluguel está atrasado há meses, Dante vai tirar satisfação com Leitão, e esse acaba dando a ideia de fazerem alguns jantares especiais em casa, já que Hugo é formado em gastronomia. Segundo ele, montando um cardápio gourmet, eles ganhariam um bom dinheiro e assim, pagariam o aluguel. Quando todos concordam, Leitão fica responsável por montar o perfil na internet mas faz mais uma de suas trapalhadas: em vez de colocar o cardápio montado por Hugo, ele informa que servirão carne humana! O anúncio é retirado do ar, mas ele consegue os e-mails dos interessados, e o melhor: R$30 mil, mais do que eles deviam de aluguel.

Miguel se mostra totalmente contrário à ideia, mas os outros amigos ficam inclinados a aceitar. Afinal, não é sempre que R$30 mil "surgem" na conta bancária, certo? Certo. Mas e como conseguir o corpo? Não seria mais fácil pegar uma outra carne e alegar ser humana? Mas e se as pessoas já tiverem comido e reconhecerem o sabor?

É aí que as características de cada um dos amigos vai ter que ser usada, de forma que eles trabalhem em equipe e consigam o melhor resultado possível. Eles enfim conseguem preparar o jantar, que acabou não sendo o único. Um dos convidados se mostra interessado em fazer outros e os amigos não resistem às promessas de montes de dinheiro na mão. No entanto, assim como foi fácil entrar nesse negócio, será muito difícil sair.

... ♥ ...

Eu costumo me decepcionar com livros quando crio muita expectativa, mas definitivamente não foi isso que aconteceu ao ler Jantar Secreto. Comecei a ler numa tarde e só parei quando concluí, cerca de 5 horas depois. Era simplesmente impossível de largar!

Raphael não escreveu apenas um livro, mas também uma crítica à sociedade e a hipocrisia que reina na maioria dos lares. É angustiante ler sobre pessoas sendo devoradas? É. É estranho pensar que isso aconteceu e a polícia não fez nada para intervir? É. Mas animais são mortos e devorados dia após dia e isso não parece ilegal para a maioria das pessoas. Quando vemos casos de cachorros sendo comidos na China ficamos abismados e comovidos, certo? Mas será que na Índia não ficam horrorizados ao saberem que comemos vacas e bois aqui? Jantar secreto é um convite a essa reflexão.

“A verdade é que você não precisa comer carne humana para incentivar atos monstruosos, basta curtir um bife e uma linguiça que já está dando sua contribuição para o horror.”

Outra coisa que fiquei me questionando é: será que no Brasil existem jantares com carne humana? Em um país como o nosso, que é comandado por poderosos corruptos, não é difícil imaginar como algumas pessoas conseguiriam fazer tudo o que os personagens fizeram "sem" serem descobertos. Um dinheirinho aqui, uma propina acolá e pronto, ninguém viu nada! Maaas não falaremos de política, certo?

O interessante é que Raphael monta uma trama muito consistente, dando sentido a tudo que acontece e interligando fatos. Os amigos não começam no "negócio" por prazer. É necessidade: uma mãe morrendo de câncer, desemprego, um despejo iminente. Só depois isso vira prazer e depois... Bem, vocês precisam ler para entender.

Com uma linguagem nua, crua e regada a palavrões, personagens bem construídos e uma trama de embrulhar o estômago, Raphael Montes nos mostra o lado mais perverso do ser humano e nos convida a refletir se não faríamos o mesmo na situação em que os amigos se encontravam. É fácil julgar, difícil é se colocar no lugar do outro.

Jantar secreto é uma obra recomendada para quem gosta de suspense, de thrillers psicológicos, sangue e para quem gosta de reflexões sobre hábitos e sobre o que é e o que não é ético, correto ou moral.

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